"Foi com grande alegria que recebemos a notícia de que nosso trabalho intitulado Marcha-Enredo
em homenagem à Darcy Ribeiro e Brizola seria o epílogo desta importante publicação científica/cultural produzida pela UFMG/CNPq. Mais uma façanha de nosso majestoso bloco carnavalesco. Aproveitamos para agradecer a oportunidade ao Grupo de Pesquisa História Intelectual: narrativas, práticas e circulação de ideias e a organizadora do livro professora Adriane Vidal Costa."
Marcha-Enredo
em homenagem à Darcy Ribeiro e Brizola
Introdução
Foi com grande alegria que
participamos do Seminário Internacional - 100 anos de Darcy Ribeiro
apresentando a composição musical “Marcha-Enredo em homenagem à Darcy e
Brizola”. Criamos a música e o vídeo para homenageá-los, destacando as suas grandes
sobrancelhas. A irreverência e humor foram o combustível da criação que teve
como mote principal, brincar o Carnaval de 2022.
O enredo e a música foram
desenvolvidos para o Grupo Recreativo de nome MONOCELHO, um pequeno bloco
carnavalesco localizado no Bairro de Santa Teresa no centro do Rio de Janeiro.
As atividades carnavalescas do MONOCELHO tiveram início em 2009 e sempre foram
pautadas por pesquisa e produção. Pesquisar para fundamentar o trabalho de
criação e produzir marchinhas, fantasias, camisetas e adereços para
apresentação nas ruas de Santa Teresa. Essa foi a sistemática de trabalho do
grupo em seus 14 anos de existência. Em 2022, essa sistemática de pesquisa e
produção ganhou uma nova perspectiva ao participar do Seminário
Internacional 100 anos de Darcy Ribeiro: intelectualidade e pensamento crítico
latino-americano,promovido
pelo Grupo de Pesquisa História Intelectual: narrativas, práticas e circulação
de ideias (UFMG/CNPq).
O Bloco homenageia personagens com
sobrancelhas notáveis. Dessa forma, já fez enredos e composições inspirados por
Frida Kahlo (2010), Julio Cortázar (2015), Vinícius de Moraes (2014) e outros
tantos monocelhos identificados nas pesquisas realizadas. No ano passado, em
2022, exaltou um momento histórico sem precedentes para a história do Rio de
Janeiro quando, no ano de 1982, as sobrancelhas de Darcy Ribeiro e Brizola “se
entrelaçaram para criar um projeto-educação.”
Nossa criação teve como ponto
central, festejar o encontro dessas duas figuras históricas em território
carioca. O gaúcho Leonel Brizola e o mineiro Darcy Ribeiro reinventando o
carnaval, recriando, criando e transformando a história do Rio de Janeiro.A
seguir, apresentamos nossas inspirações e motivações, o processo criativo e o
resultado alcançado, consolidando, assim, nossa contribuição para este livro,
fruto do Seminário Internacional - 100 anos de Darcy Ribeiro.
Breve histórico das atividades do Grupo Recreativo MONOCELHO
O Carnaval de 2022 foi cercado de
restrições sanitárias por conta, ainda, da pandemia da COVID-19. Dessa forma, nossa festa de
carnaval foi reservada e realizada em local fechado no dia 20 de fevereiro de
2022, em um sábado de pré-carnaval. Na ocasião, aconteceu o primeiro ensaio da
composição que foi documentado e está disponível no Youtube.[i]
O resultado de nosso trabalho em
torno da homenagem a Darcy Riberio e Brizola pelos seus centenários teve uma
cronologia bem definida. Logo após o carnaval de 2021, ainda sobre as
restrições da pandemia, decidimos que os grandes homenageados de 2022 seriam
Darcy Ribeiro e Brizola. Foi também durante o ano de 2021 que submetemos nossa
criação artística ao crivo dos organizadores do Seminário Internacional - 100
anos Darcy Ribeiro.No dia 29 de abril de 2022, apresentamos nossa contribuição
participando da Mesa “Darcy Ribeiro: memórias e (auto)biografias”. O Seminário aconteceu em formato remoto e foi
transmitido pela plataforma doYoutube.[ii]
Durante a apresentação, a
Professora Lúcia Velloso Maurício fez um adorável comentário que queremos
destacar aqui: “Excelente, Darcy adoraria esta homenagem, com uma irreverência
carioca que Darcy amava e fez dele cidadão carioca. Parabéns!!!”
No dia 22 de junho de 2022, participamos
do Ciclo de Webinários “O Brasil como problema”, na sua IX edição intitulada
Darcy Ribeiro e o patrimônio cultural, promovido pela Fundação Darcy Ribeiro. A
apresentação aconteceu em formato remoto e foi transmitida também pelo Youtube.[iii]
No dia 16 de outubro de 2022, participamos do evento de Extensão Universitária
promovido pelo Decanato de Extensão da Universidade de Brasília. No evento
intitulado “Quinta Cultural” pudemos novamente apresentar nosso material
audiovisual.[iv]
A partir de uma pesquisa no Google
com a palavra-chave Blog Monocelho é possível acessar parte da história do
Bloco. O Blog –http://monocelho.blogspot.com/– é uma espécie de memória com uma
linguagem de diário escrita pelo fundador/presidente do Bloco, Marcos Oliva. Em
2009, ainda não existiam os grupos de WhatsApp e decidimos fazer um Blog e um
perfil no Facebook para registros e comunicação. Ao longo dos anos, o Blog foi
sistematicamente atualizado e contém um registro rico em detalhes e conteúdos
sobre as atividades do Grupo Recreativo. Dessa forma, no Blog, é possível
verificar e ter acesso às composições e materiais produzidos desde 2009.[v]
A partir do conteúdo do Blog é
possível ter acesso sobre as motivações, inspirações, processo de pesquisa e
processo criativo que levou a elaboração de cada enredo desenvolvido. Como
exemplo, expomos a seguir o registro no blog de nossa pesquisa em 2021:
Esse ano a pesquisa foi
intensa. Após identificar que Darcy e Brizola tinham nascido em 1922,
descobrimos que outros personagens importantes também nasceram naquele ano.
José Saramago se juntou aos dois rapidamente, suas mega sobrancelhas desfeitas
se conectaram perfeitamente aos outros dois personagens sobrancelhudos. Como
pesquisa é uma atividade muito reveladora surgiram descobertas interessantes.
Descobrimos que Lima Barreto morreu naquele ano e que ocorreu o nascimento de
Paulo Mendes Campos logo depois da Semana de Arte Moderna de 22. (OLIVA, 2022)
- 16 de dezembro de 2021 - http://monocelho.blogspot.com/
[v]A cronologia dos enredos do Grupo até 2022 é: 2009 -
Fundação do Bloco - 14 de fevereiro de 2009 - sábado de pré-carnaval - local:
Bar do Gomez- Santa Teresa - RJ; 2010 - Enredo: Frida Kahlo; 2011 - Enredo:
Monteiro Lobato; 2012 - Enredo: Bondinho de Santa Teresa; 2013 - Enredo: Zé do
Caixão; 2014 - Enredo: Vinícius de Moraes; 2015 - Enredo: Júlio Cortázar; 2016
- Enredo: Bullying ; 2017 - Enredo:
Depilação da Nação (neste ano não registramos nossa produção); 2018 - Enredo:
Darcy Ribeiro; 2019 - Enredo: Mafalda; 2020 - Enredo: Homenagem à João Motta;
2021 - Enredo: Zé do Caixão (reeditado em função do falecimento de José Mojica Marins);
2022 - Enredo: Darcy e Brizola; 2023: Macaco Tião.
Pretexto - inspirações e motivações
Meu Carnaval não é de clube. Quero
ver é o desfile no Sambódromo.
(RIBEIRO,1988 p.216)
Com o Centenário Darcy-Brizola
(1922-2022) abriu-se uma oportunidade para realizar algumas discussões no meio
cultural e acadêmico sobre essas duas personalidades ligadas à política e
cultura no Brasil. Nossa opção foi contribuir com conteúdo criativo oferecendo
música e poesia e, para tanto, desenvolvemos material com base cultural e
historiográfica. Dessa forma, trechos da história de Darcy Ribeiro e Brizola
foram transformados em letra e música, e inspirados pelo tradicional estilo de
marchinha carnavalesca, desenvolvido há cem anos, criamos uma Marcha-Enredo.
O gênero que chamamos de
Marcha-Enredo deriva do Samba-Enredo, gênero este criado pelas Escolas de
Samba, no Rio de Janeiro, a partir da década de 40 (TINHORÃO, 1980). O enredo
conta uma história e leva mensagens para o público. Toda a Escola de Samba
desfila contando, através das fantasias, carros alegóricos, evolução, música e
letra, uma história e uma mensagem previamente estabelecidas, que chamamos de
Enredo. O nosso bloco compõem
marchinhas. As marchinhas de carnaval têm, em sua maioria, letras simples,
bem-humoradas, irônicas, muitas vezes com duplo sentido, contando fatos da
época, acontecimentos políticos, fazendo críticas, e são, no geral, as
primeiras composições feitas especialmente para o carnaval, daí o nome
“Marchinha de Carnaval”.
Inspirados neste conceito, o bloco
desenvolve enredos homenageando uma ou mais figuras que tenham sobrancelhas
notáveis. A grande inspiração do grupo são as sobrancelhas, ou melhor, os
monocelhos dos personagens! Obviamente, trata-se de um bloco anti-depilação.Uma
das inspirações, como já apontamos, é Darcy Ribeiro:
Figura 1 - Darcy e sua sobrancelha esvoaçante - http://www.iea.usp.br/noticias/o-centenario-de-darcy-ribeiro-e-a-educacao-brasileira acessado em 02 de abril de 2023.
Seguindo um roteiro da alegria e da
irreverência carnavalesca, começou-se a criar a música com a ideia inicial de
que “a Grandeza de Darcy” estaria estampada na sua face, e que a foto que
ilustrava o cartaz do Seminário Internacional mostrava bem o significado disso.
Ao participar da mesa VI do evento: “Darcy Ribeiro: memórias e (auto)biografias”,
abrindo as apresentações daquela tarde de 29 de abril de 2022, Oliva declarou:
Temos uma profunda admiração por Darcy Ribeiro / sua
contribuição pela Educação e pela Cultura / sua capacidade intelectual e verve
política / sua habilidade de agregar e captar as melhores mentes / os melhores
quadros do país / mas o que realmente nos mobiliza, o que realmente nos
sensibiliza, é a grandeza, ou melhor, a magnitude da SOBRANCELHA deste homem!
O Carnaval é o lugar onde o povo
pode questionar a ordem estabelecida de maneira lúdica e criativa, onde a
população toma posse da via pública e faz dali um lugar de diversão de forma
democrática e inclusiva. Durante o carnaval se instaura uma inversão da ordem
comum e a pessoa pode sair do seu lugar de hábito e experimentar outra
perspectiva da vida. Neste sentido, tomamos a liberdade de "brincar"
com o antropólogo, o sociólogo e o professor Darcy Ribeiro.[i]
A geração de Darcy Ribeiro,
definitivamente, não era adepta da depilação. Pinça, laser e depiladornão
faziam parte do vocabulário desta geração nascida nos anos de 1920 do século passado.
Fazer as sobrancelhas era algo impensável para eles. Brizola com sua
sobrancelha desgrenhada nos inspirou também e dessa forma foi iniciada a
composição: “Sobrancelha Esvoaçante Darcy! /Sobrancelha Revoltada Brizola!”
Contexto - fatos e impressões Grupo Recreativo MONOCELHO
O grande legado de Darcy Ribeiro e
Brizola para o Carnaval foi a construção do Sambódromo. Se no início do século
XX as marchinhas trouxeram organização à festa profana, a Passarela do Samba
também promoveu uma importante ordenação ao evento. Podemos então afirmar que a
construção do Sambódromo foi uma tentativa bem-sucedida de dar ordem ao
carnaval. Mais especificamente, dar ordem ao Carnaval das Escolas de Samba do
Rio de Janeiro.
Às vésperas de completar 40 anos
(1984-2024), podemos olhar para a história e compreender a importância deste
bem material para a cidade do Rio de Janeiro.
O projeto
permitiu levar para aquela região da cidade, não apenas a Passarela do Samba,
mas também os instrumentos de lazer e cultura que lhe faltavam. Com isso, a
Passarela do Samba assumiu outro conteúdo, e se fez mais humana como toda obra
de caráter coletivo deveria ser. Organizado o projeto, fixada a solução
arquitetural, a grande praça, por razões diversas, passou a constituir um
prolongamento natural da Passarela. Daí surgiu a ideia de nela inserir, enriquecendo
os desfiles, fazendo-os mais criativos e atraentes. (HELM, 2012)
A participação do arquiteto Oscar
Niemeyer na autoria desta obra mostra a capacidade de Darcy Ribeiro e Brizola
em atrair e aglutinar as melhores mentes do país. Este encontro marca um
importante momento político de retomada da democracia no país. Encontro este
que contribuiu para o fortalecimento da cultura brasileira em torno do Samba e
do Carnaval.
Para além do carnaval das escolas de
samba, a Passarela se constitui como um espaço cultural para shows e eventos
diversos. Durante o ano desempenha também uma função social, pois neste local
funcionam escolas municipais e o Programa de Educação de Jovens e Adultos.
Figura 2 e 3 Oscar
Niemeyer, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. foto: Acervo Fundar http://www.elfikurten.com.br/2012/02/darcy-ribeiro-um-homem-de-fazimentos.html acessado em 03 jan. 2022
A
importância deste equipamento urbano e sua dimensão simbólica para a cidade
pode ser medida pelo lançamento em 2016 da moeda comemorativa estampando a
escultura da Praça da Apoteose assinada por Niemeyer. Por conta das Olimpíadas
do Rio de Janeiro, uma série de moedas foram lançadas destacando aspectos da
paisagem natural e arquitetônica da cidade. Vale destacar que algumas
competições das Olimpíadas Rio 2016 ocorreram no Sambódromo e que a mais
tradicional delas, a Maratona, teve largada e chegada na Passarela do Samba.
Figura
4 - Moeda comemorativa Olimpíadas Rio 2016 - http://rededoesporte.gov.br/pt-br/noticias/programa-de-moedas-comemorativas-dos-jogos-ja-vendeu-mais-de-500-mil-unidades acessado em 09 de abril de 2023
O nome oficial deste monumento da
cultura brasileira é Passarela Professor Darcy Ribeiro. É curioso perceber que
apesar de todo legado de Darcy Ribeiro, o Sambódromo continue a ser chamado
popularmente de Marquês de Sapucaí, nome da Rua sobre a qual foi construída a
Passarela. Nas duas imagens abaixo podemos ver a localização da passarela:
Figura 5 e
6 - planta baixa e imagem de satélite da
situação e localização da Passarela do Samba - https://www.archdaily.com.br/br/01-32045/passarela-professor-darcy-ribeiro-sambodromo-do-rio-de-janeiro-oscar-niemeyeracessado em 09 de abril de 2023
O historiador e jornalista Alves Marroni
(2020) defende em seu artigo que “é chegada a hora de homenagear os pais do
Sambódromo". “Tanto Darcy quanto Brizola foram lembrados em alguns
carnavais e desfiles, mas de forma bastante tímida", pontua o pesquisador,
destacando que o legado que deixaram para o carnaval do Rio de Janeiro é algo
extraordinário. A partir da constatação de Marroni, percebemos não apenas uma
lacuna cultural, mas principalmente uma oportunidade para o exercício da poesia
e da criação. Entendemos que não basta falar e escrever sobre Darcy Ribeiro,
devemos também o festejar. Devemos cantar as façanhas e peripécias desses dois
importantes realizadores homenageando os pais do Sambódromo: “E o Rio de
Janeiro foi palco dessa história/do Povo Brasileiro virando uma nação/Salve a
passarela do Samba quanta alegria hoje é Carnaval/Salve Darcy-Brizola salve a
educação e viva a nossa escola.”
O processo criativo
Neste trabalho apresentamos um pouco
da nossa história enquanto grupo carnavalesco e mostramos como a fantasia nos
levou a criar o Bloco e fazer os vários enredos nesses quatorze anos de
existência. Bruno Munari (2018, p. 9) faz um estudo sobre a criatividade em seu
livro Fantasia:
Para algumas pessoas a fantasia é
capricho, bizarria, excentricidade. Para outras é ficção, no sentido de não
realidade, desejo, gênio, inspiração. Para alguns camponeses é a dança popular.
Para outros é alucinação, ideia fixa, cisma. Pode ser entendida como devaneio,
como fantasmagoria, como inspiração e como inclinação. A fantasia também é
irregularidade, fazer as coisas ao acaso, à toa.
Foi a partir deste desejo de
fantasiar que criamos o Grupo Carnavalesco. Desejo por diversão, criação e
busca de originalidade. Desejo de defender uma ideia diferente. Em plena era da
depilação, resolvemos defender a não depilação e nos lançamos como um Bloco
anti-depilação. Essa história está registrada no blog - http://monocelho.blogspot.com/ - criado em dezembro de 2008 (OLIVA, 2022). Desde os
primeiros insights, até os resultados
finais, muita coisa foi registrada neste “diário” eletrônico. Foi no dia 15 de
dezembro de 2008 que a ideia foi lançada em uma confraternização de final de
ano. No blog, o título da postagem foi: “Vamos criar um Bloco de Carnaval”:
Nada como uma reunião
de confraternização regada a muita cerveja [...] pois foi assim que surgiu uma
ideia [...] vamos fazer um bloco de carnaval!!!!O tema [...] é claro que o
tema, ou a inspiração da galera teve como fonte o cara mais doidão do encontro,
Edgard, o MONOCELHO. Foi uma inspiração e tanto, numa só tacada a galera
batizou o bloco (Monocelho), escolheu o líder (Edgard) e definiu os
homenageados: Monteiro Lobato e Frida Kahlo.A coisa, portanto, ainda está em
fase de planejamento, mas já foramencomendados uma marchinha e os estandartes.
Aproveitando este momento de registro
textual e histórico, é importante destacar que o Bloco só aconteceu de fato por
conta de pequenos acontecimentos e fatores. Um fator determinante foi a
contribuição do compositor Guilherme Guimarães, que, naquela data, morava em
Barcelona e recebeu uma encomenda um tanto inusitada: “fazer uma música falando
de sobrancelhas cabeludas.” O artista, em um primeiro momento, não fez a
composição solicitada pois não compreendeu plenamente o briefing proposto, mas ao visitar o Rio de Janeiro no início do ano
de 2009, durante um encontro presencial com integrantes do grupo, pegou o
violão e cantou: Tem pêlo no Nariz / Tem pêlo na Orelha / Tem muito mais /
Na sobrancelha!
A partir daquele momento o bloco deixou
de ser uma ideia e passou a ter materialidade, pois o refrão passou a
transmitir o conceito almejado. Com o refrão, foi possível avançar, conquistar
simpatizantes e se fazer entender enquanto ideia carnavalesca. Não tardou e o
refrão se transformou no “hino do monocelho” pelas mãos de Paula Lenzi que
concluiu a composição:
Tem pêlo
no nariz / Tem pêlo na orelha / Tem muito mais
/ Na sobrancelha / Tem gente que anda falando / Mas que na verdade / A
pinça vem usando / Mas se você reparar bem / É tanto pêlo que o macaco até
inveja tem / Tem pêlo no nariz / Tem pêlo na orelha / Tem muito mais / Na
sobrancelha / Deixa essa gente falar / Você sabe muito bem / Quem desdenha quer
comprar / Quando você menos esperar / A moda pega e todo mundo vai te imitar.
Uma gravação demo da
composição foi feita com o grupo Arrumando o Coreto na praça São Salvador
(MONOCELHO, 2009) e pode ser vista no Youtube.[i] A criação do Bloco no ano de 2009 tem um fator histórico,
ela foi consequência da explosão do Carnaval de Rua no Rio de Janeiro que
ocorreu no início dos anos 2000 conforme apontado por Herschmann (2013):
Poder-se-ia
dividir em “duas ondas” este segundo momento de crescimento dos blocos. Uma, na
primeira metade da década passada, em que claramente havia uma preocupação da
juventude que frequentava o circuito da Lapa com a retomada e expansão da
“tradição do samba de raiz” (HERSCHMANN, 2007): traçam-se parâmetros que vão
nortear a criação de alguns blocos sempre citados como referências
fundamentais, tais como Cordão do Boitatá, Boi Tolo e Céu na Terra (que
tradicionalmente arrastam centenas de milhares de pessoas pelasruas da cidade).
E, a “segunda onda”, que começou na segunda metade da década inicial do século
21, que veio se somar ao movimento sociocultural existente, e que colocaram no
epicentro os blocos temáticos, os blocos das fanfarras, os cortejos de rua que
incorporam outros ritmos (e outros gêneros musicais atípicos do mundo do samba)
e, ainda, os blocos que estão ligados à trajetória de músicos profissionais.
Poder-se-ia mencionar como exemplos destes blocos os seguintes agrupamentos:
Sargento Pimenta, Orquestra Voadora, Monobloco, Bloco da Preta, Cinebloco,
Gigantes da Lira, Fogo & Paixão e Super Mario Bloco, entre vários outros.
(HERSCHMANN, 2013)
Foi justamente por conta desta explosão
do carnaval de Rua no Bairro de Santa Teresa e inspirados pelo Bloco Céu na
Terra, que um grupo de amigos resolveu criar o Monocelho. O Céu na Terra,
criado em 2001, tinha se transformado em um “megabloco” e ficou inviável
participar da folia por alguns motivos. O principal problema ficava por conta
dos filhos pequenos e recém-nascidos. A principal diversão do Monocelho era ver
o Céu na Terra passar e depois disso apreciar o resto da festa. O fato foi
documentado pelo GloboNews em 2014 (MONOCELHO, 2014) em uma reportagem
tida como furo de reportagem.[ii]
O Monocelho sempre foi um Bloco pequeno
que tinha como característica entreter pais e crianças pequenas. O Bloco nos
anos de 2010 (Frida Kahlo) e 2011 (Monteiro Lobato) conseguiu atrair algumas
dezenas de foliões, mas no ano de 2014, ele estava visivelmente menor e foi
motivo de brincadeira por parte do jornalismo da Globo News, que apresentava o
Bloco como “o único Bloco do Rio de Janeiro que diminuiu de tamanho.”
(MONOCELHO, 2014)
A brincadeira de 2014 pegou e a zoação
continuou em 2015. De fato, o bloco continuava diminuindo, as crianças em 2015
já estavam crescidas e não se interessavam muito pela diversão dos pais.
Naquele ano o Bloco homenageou o escritor Julio Cortázar contando uma estória
surrealista do encontro do argentino com a pintora mexicana Frida Kahlo em
plena Santa Teresa. A versão demo da música com participação do trompetista
pode ser ouvida no link:https://youtu.be/jKvfEnBvwsc.
O jornalista Paulo Marcelo Sampaio foi
às redes, via Facebook,“zoar” o grupo contando o que presenciou naquele ano:
No sábado de carnaval,
o Monocelho foi à rua mais uma vez. E confirmou a vocação ao fracasso, que foi,
é e sempre será o seu maior objetivo. O trompetista, que faria um solo na
introdução da marchinha desse ano, fugiu, desapareceu, escafedeu-se. O tocador
do surdo – esse que vos escreve, mesmo sendo chamado de benemérito – tomou
esporro do diretor da bateria. Tocava em ritmo de samba. Não marcava o compasso
das marchinhas. Foi substituído por um ritmista um pouco pior. O puxador,
apressado, tinha que sair logo para outro bloco. Maguilinha, com seus pratos,
chegou faltando cinco minutos pra terminar o baile. Tudo acompanhado
atentamente por João Motta, um dos fundadores. Ele não cantava, não dançava. Uma
animação contagiante. Oito pessoas – isso mesmo – oito pessoas fizeram a farra.
Até onde iremos? Não sei. O que sei é que seremos cada vez menores. Até o final
dos tempos. (MONOCELHO, 2015b)
O
conteúdo da postagem de Paulo Marcelo Sampaio nos remete a uma das frases mais
emblemáticas de Darcy Ribeiro: “Meus fracassos são minhas vitórias”. Abaixo
segue um raro registro fotográfico daquele dia realizado por Eleonora Alves:
Figura 7 - acervo do autor - Carnaval 2015 na Mansão Hilda -
Da esquerda para a direita: Teresa, Iná, Fatinha, Cristiano, Paula Lenzi, Paulo
Marcelo, Marcos Oliva, Maurício Toledo, Carlito Gepe, Fernando Santoro
(Maguilinha) e em primeiro plano na direta folião desconhecido.
Apesar de estar menor, o Grupo
continuou criando os Enredos e as músicas. Em 2018, o Bloco homenageou Darcy
pela primeira vez. Naquele ano ocorreu uma espécie de reencontro, pois em 2017
nada foi produzido oficialmente, apenas algumas ideias falando da “depilação da
nação”, uma crítica ao impeachment da
presidenta Dilma Rousseff ocorrido em 2016.
O reencontro do grupo foi embalado
por uma composição de Paula Lenzi homenageando Darcy Ribeiro. O tom envolvendo
crítica política foi presente em algumas composições e enredos. A primeira
delas foi em 2012 quando o grupo desenvolveu um enredo que pedia a volta do
Bondinho de Santa Teresa e reclamava do prefeito da cidade. Esse mesmo tom se
fez presente na composição em homenagem a Darcy Ribeiro em 2018:
Figura 8 - acervo do autor - Marcha do Darcy 2018
A
partir de 2018, essa abordagem com crítica política passou a estar presente em
algumas composições. Em 2019, ao homenagear os 50 anos da personagem Mafalda, o
grupo fez uma crítica às fake news.
Em 2020, a composição pedia a depilação do presidente dizendo que seria melhor
“Jair depilado”. Em 2021, por conta do falecimento de Zé do Caixão, foi
reeditado o enredo de 2013, quando o artista foi homenageado em vida. Por conta
do momento de pandemia, foi o carnaval do “fique em casa” em que produzimos um
vídeo e curtimos a folia de forma remota[i](MONOCELHO, 2021).
[i]
Ver: https://youtu.be/cM_3lvjoeiA.
Figura 9 - acervo do autor - Carnaval do “fique em casa” -
Zé do Caixão 2021
Finalmente em 2022, livres da
pandemia e com a esperança de que dias melhores viriam, o tom político foi
novamente utilizado. Homenagear Darcy e Brizola é uma forma de resistência. Por
tudo o que criaram e pelas personalidades que são, Darcy e Brizola, merecem ser
lembrados e homenageados. O ano de 2022, do ponto de vista político, nos fez
lembrar demais dessas duas figuras tão importantes para a política. Dessa forma,
pensamos que 2022 “não deveria ficar pra depois”, pois seria um momento de
retomada política e também carnavalesca. Retomada política por conta das
eleições de 2022 e carnavalesca por conta do controle da pandemia. Foi assim
que surgiu o refrão que iniciou a composição: “sobrancelha esvoaçante
Darcy/sobrancelha revoltada Briza/vou cantar em 22 não vou deixar pra depois”.
A composição conta sobre as efemérides
do nascimento de Darcy Ribeiro e Brizola (1922). O primeiro nasceu em Montes
Claros, Minas Gerais, o segundo nasceu no Rio Grande do Sul, em Cruzinha, no
mês de Janeiro, um pouco antes do Carnaval. Um importante marco histórico
daquele ano, a Semana de Arte Moderna de 22, dá o contexto aos versos iniciais
que evidenciam o Rio de Janeiro como palco do encontro entre os dois
personagens:
Centenário Darcy-Brizola - Monocelho 2022
Paula
Lenzi e Marcos Oliva Meu bem eu vou contar uma história
Que aconteceu há 100 anos atrás
Foi em 22 pois é 1922
Em janeiro lá no Sul o Brisa já tá chegando e vem abrir o
Carnaval
Depois em fevereiro muita coisa aconteceu
Partindo de São Paulo 22 estremeceu
E quando chegou outubro Darcy o mineirinho quis cair no
carnaval
E em pleno Rio de Janeiro meu bem a apoteose se fez real
SOBRANCELHA ESVOAÇANTE DARCY
SOBRANCELHA REVOLTADA BRIZA
VOU CANTAR EM 22 NÃO VOU DEIXAR PRA DEPOIS
Depois continuando essa história
Que começou há 100 anos atrás
Em 82 pois é 1982
Sobrancelhas se entrelaçaram então pra criar um projeto educação
E o Rio de Janeiro é palco dessa história
Do Povo Brasileiro virando uma nação
Salve a passarela do Samba quanta alegria hoje é Carnaval
Salve Darcy-Brizola salve a educação e viva a nossa escola
SOBRANCELHA ESVOAÇANTE DARCY
SOBRANCELHA REVOLTADA BRIZA
VOU CANTAR EM 22 NÃO VOU DEIXAR PRA DEPOIS
A segunda parte da música conta
sobre o encontro dos dois em solo carioca. Darcy Ribeiro e Brizola promoveram
uma grande revolução no governo do Rio de Janeiro (1983 - 1987) e se o projeto
tivesse tido continuidade poderíamos vislumbrar não apenas uma cidade diferente,
mas também um Brasil mais justo, igualitário e educado. Abaixo apresentamos a
partitura cifrada da composição:
Figura
10 - acervo do autor - Partitura cifrada da composição “Marcha Enredo em
Homenagem ao centenário de Darcy e Brizola.
Considerações finais
Finalizamos nosso texto comentando
esta bela imagem quando “as sobrancelhas se entrelaçaram”. A foto simboliza a
alegria de um momento cheio de amor, carinho e otimismo. Darcy Ribeiro dá um
beijo de gratidão em Brizola, que retribui com um sorriso sincero. Celebram uma
parceria que marcou época e deve ser lembrada e relembrada. Foi um momento de
esperança que deixou marcas e sementes prontas para germinar. Acreditamos que a
música e a poesia têm este potencial: de fazer brotar as sementes desta
esperança. As sementes estão adormecidas e necessitam apenas de cuidado, ou
seja, de um pouco de cultura, música, poesia e arte:
Figura 11 - “O Beijo” - imagem manipulada digitalmente pelo
autor– original em https://www.pdt.org.br/index.php/pela-revolucao-educacional-darcy-ribeiro-idealizou-os-cieps-com-leonel-brizola/
Bibliografia
BAKHTIN, Mikhail M. Cultura popular na idade média e no
renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2010.
RIBEIRO, Darcy. Migo. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
TINHORÃO, J. M. Pequena história da Música Popular Brasileira. São Paulo: Editora
Círculo do Livro, 1980.
MUNARI, Bruno.
Fantasia. Lisboa: Edições 70, 2018.
HERCHMANN, Micael. Apontamentos sobre o
crescimento do carnaval no século 21. V.36, n. 2 p. 267-289. Intecon
– RBCC. São Paulo, 2013.
Internet
ALVES, Marroni. Os pais
do sambódromo merecem uma homenagem. Diário
do Rio, 2020. Disponível em: https://diariodorio.com/marroni-alves-os-pais-do-sambodromo-merecem-uma-homenagem/. Acesso em
03 de janeiro de 2022.
HELM,
Joanna. Passarela Professor Darcy Ribeiro - Sambódromo do Rio de Janeiro /
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em: 18 abr. 2023.
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Sobre os autores:
Marcos H.G. Oliva[i]
Maria Paula Lenzi[ii]
[i]Professor Adjunto da Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ).
Desenhista Industrial (ESDI/UERJ). Mestre em Engenharia de Produção
(COPPE/UFRJ) e Doutor em Design (PPDESDI/UERJ). E-mail: mhgoliva@eba.ufrj.br
[ii]Flautista licenciada em Ed. Música
(UFRJ). Atuou como professora de música no Projeto Núcleo de Arte (SME-RJ).
Especialista em Musicoterapia (CBM). E-mail: paulapaulalenzi@gmail.com